2 FITOTERAPIA
As terapias alternativas têm se desenvolvido ao longo nos
últimos anos de forma bastante ampla em vários países do mundo e, com isso, têm
ganhado a confiança da população. Entende-se por terapia alternativa o método,
produto ou tratamento terapêutico, aplicado por profissional qualificado, em
detrimento ao método terapêutico convencional, utilizado pela medicina
tradicional e pela alopatia (CUNHA, 2007).
A Fitoterapia,
que significa “tratamento através das plantas”, constitui-se de um método
aplicado desde as mais remotas civilizações até os tempos atuais. Registros dos
primeiros fitoterápicos são datados na China, em 2838-2698 a.C., feitos pelo,
então, imperador Shen Nung, que catalogou 365 plantas medicinais (CUNHA, 2007).
Na Bíblia, no Antigo e no Novo Testamento, há muitas referências a plantas
curativas ou seus derivados, como o benjoim e a mirra (CUNHA, 2012). Na Grécia
e na Roma antigas, a alfazema era uma das principais ervas utilizada nos
banhos, e também para o preparo das múmias no Egito.
Desde o início da civilização, o alho exerce importante
papel, tanto na culinária quanto na medicina. Originário, provavelmente, da
Sicília ou da Ásia Ocidental, é utilizado há mais de 5 mil anos pelos hindus,
árabes e egípcios. Na Europa, ervas foram usadas por vários séculos, sendo,
hoje, a maioria patenteada e prescrita. China e Índia também possuem vasta
experiência no uso de plantas como remédios e, embora a eficácia da maioria
delas ainda não tenha sido comprovada farmacologicamente, as plantas medicinais
são parte importante de seus sistemas milenares de medicina. Atualmente, os
Estados Unidos mostraram um extenso uso de terapias alternativas, apontando
mais de um terço da população americana como usuária de ervas para fins de
saúde. Na América Latina, estudos demonstram o uso de plantas medicinais, até
mesmo, nas áreas de metrópoles (BRANDÃO et al., 2006).
A
transmissão do conhecimento sobre plantas medicinais atravessa séculos e passa
de geração em geração, por meio da palavra. Parece que o processo de
aculturação, no qual as novas gerações buscam os meios modernos de comunicação,
causa a perda dessa tão valiosa transmissão oral. Diversos estudos
demonstram que as classes sociais mais pobres têm maior interesse nos saberes
populares, em um percentual maior de mulheres em relação a homens. Nesse meio,
também há voluntários que fazem algum tipo de trabalho filantrópico em
comunidades locais, particularmente em áreas carentes. Isso mostra que o
conhecimento sobre essas terapias, tanto do paciente como dos profissionais,
acontece, sobretudo, por meio do senso comum (ARNOUS, 2005).
Percebe-se,
então, que a fitoterapia sempre esteve presente em todas as antigas e atuais
civilizações, e desempenha papel importante na manutenção da saúde dos povos
não somente como recurso terapêutico, como também por coexistir com crenças,
valores e necessidades da humanidade (BRASIL, 2012).
2.1 PRESCRIÇÃO FITOTERÁPICA
Para compreendermos algumas particularidades do tema, é
importante o entendimento da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa),
no qual o medicamento fitoterápico é aquele obtido empregando-se exclusivamente
matérias-primas ativas vegetais.
Os
fitoterápicos, em geral, são medicamentos classificados como Medicamentos
Isentos de Prescrição (MIPs) ou, ainda, como medicamentos sem a retenção de
receita, estando, assim, diretamente ligados à automedicação ou sujeitos à
orientação do farmacêutico
no
processo de dispensação. É crescente o interesse pelo uso de fitoterápicos e
produtos naturais como recursos terapêuticos e a procura por drogas vegetais
está relacionada a vários fatores, como decepção no tratamento com a medicina
convencional, efeitos indesejados, impossibilidade de cura, entre outros. Suas
características apresentam eficácias e riscos, assim como pela
reprodutibilidade e constância de sua qualidade. Notoriamente, a sua eficácia e
segurança são validadas por meio de levantamentos etnofarmacológicos,
documentações tecnocientíficas ou evidências clínicas (GOES; SILVA; CASTRO,
2019).
A Resolução nº 546, de 21 de julho de 2011, do Conselho
Federal de Farmácia (CFF, 2011), publicada no Diário Oficial da União, dispõe
sobre a indicação farmacêutica de plantas medicinais e fitoterápicos isentos de
prescrição e o seu registro. Entretanto, é importante ressaltar que o
farmacêutico, legalmente, já tinha esse direito e que a resolução apenas
reforçou essa atribuição.
Art. 1º No âmbito de sua competência, o Conselho Federal de
Farmácia conceitua a indicação farmacêutica como sendo o ato do farmacêutico, praticado
em área específica do estabelecimento farmacêutico, registrado e documentado,
fundamentado na informação e educação ao paciente/usuário sobre o uso correto e
racional de plantas medicinais e fitoterápicos, que possibilite o êxito da
terapêutica, induza a mudanças nos hábitos de vida e proporcione melhores
condições de saúde à população. Parágrafo único. A indicação farmacêutica, de
que trata o caput deste artigo, deverá ser feita com base em conhecimentos
técnico-científicos, em princípios éticos e em consonância com as resoluções
profissionais e com as do órgão federal responsável pela vigilância sanitária. Art. 2º Quando o
usuário/paciente, por iniciativa própria e devido à fácil acessibilidade,
solicitar indicação, em face de sinais/sintomas apresentados, o farmacêutico
poderá encaminhá-lo a outro profissional de saúde ou dispensar-lhe uma planta
medicinal e/ou fitoterápico isento de prescrição (CFF, 2011, p. 2-3).
Ainda, essa resolução especifica os principais objetivos da
indicação farmacêutica, relativa a plantas medicinais e fitoterápicos:
I-
prevenir potenciais problemas relacionados ao
uso, informando os benefícios e riscos de sua utilização;
II-
comprometer o paciente na adesão ao tratamento,
assegurandolhe o direito de conhecer a razão do uso;
III-
monitorar e avaliar a resposta terapêutica;
IV-
aproximar o farmacêutico da comunidade (CFF,
2011, p. 3).
Além disso, define como aspectos fundamentais da indicação farmacêutica
relativa a plantas medicinais e fitoterápicos: porque foi indicado; modo de ação;
como deve ser utilizado; duração do tratamento; possíveis reações adversas,
contraindicações, interações e precauções; condições de conservação e guarda; e
educação em saúde.
Assim, se o paciente solicitar uma terapêutica fitoterápica, deve-se
considerar a responsabilidade técnica dos profissionais envolvidos, optando por
uma escolha compartilhada. Mas qual prescrição estaria correta? Qual
medicamento fitoterápico escolher? Como prescrever? Várias questões surgem a
partir desse momento.
A decisão terapêutica calcada em um diagnóstico o mais apurado possível
envolve: indicação precisa, critérios científicos de segurança, eficácia
terapêutica e reprodutibilidade. No entanto, é importante ir além dessas etapas
iniciais, caso contrário, a fitoterapia poderia não aparecer no rol de opções –
e isso não significa, necessariamente, uma vantagem.
Ao optar por prescrever fitoterapia e almeja, de fato, o “equilíbrio
natural” da saúde da pessoa assistida, ou de sua família, é preciso ter como
objetivo enxergar essas pessoas, suas vidas, suas ideias e seu adoecimento de
maneira mais abrangente, olhando para além da doença em si; a começar pela
escolha terapêutica de um fitoterápico ou de um conjunto de substâncias
(fitocomplexo) disponível no extrato de uma planta, em detrimento de um fármaco
(SLOMP; SACRAMENTO, 2012).
Fitocomplexo é o nome que se costuma dar ao conjunto de substâncias
ativas, presentes no extrato da planta medicinal, na proporção em que são
encontradas na natureza, e que atuam farmacologicamente ao mesmo tempo, seja
por meio de sinergismo, antagonismo, interações farmacocinéticas ou outras. Sua
ação farmacológica costuma ser analisada “em bloco”, como um todo.
Um ponto inicial a ser vencido é que, ao se prescrever um medicamento
baseado em fitocomplexo, várias substâncias são administradas ao mesmo tempo, o
que dá início a diversos eventos orgânicos. Segundo Fintelmann e Weiss (2010),
quanto maior o número de substâncias ativas contidas em um extrato vegetal,
maior o espectro de indicações terapêuticas, o que se multiplica ainda mais no
caso de constituintes de extratos de mais de uma planta. Tal fato pode ser
tanto um problema como, justamente, o diferencial desejado, dependendo da
situação clínica em questão: um problema, por reacender outro preconceito
corrente contra a fitoterapia – a de se tratar de uma “panaceia” (com seus
“remédios que servem para tudo e, na verdade, para nada”); um diferencial
desejado, quando um caso pode se beneficiar dupla ou triplamente do mesmo
extrato vegetal ou composição, possibilitando uma orquestração terapêutica
única para o usuário. Neste caso, teríamos mais um possível critério para
escolher a fitoterapia (SLOMP; SACRAMENTO, 2012).
Outro aspecto marcante da
fitoterapia é o tema da toxicidade, pois as drogas vegetais ou medicamentos
fitoterápicos não são isentos de toxicidade, assim como qualquer outro
medicamento alopático. Há evidências bibliográficas de reações adversas,
precauções necessárias e interações medicamentosas. Ainda assim, a tolerância
aos fitoterápicos é, em geral, maior se comparada aos fármacos (SCHULZ;
HÄNSEL; TYLER, 2002; FINTELMANN; WEISS, 2010).
Adicionalmente, Fintelmann e Weiss (2010) classificam os fitoterápicos
que estariam disponíveis para uma prescrição em categorias terapêuticas (Quadro
1), sendo uma interessante orientação para guiar a decisão clínica e ajudar a
esclarecer as possibilidades de tratamento fitoterápico exclusivo ou combinado.
QUADRO 1 – CATEGORIAS TERAPÊUTICAS PARA FITOTERÁPICOS
Categoria 1 Indicações para as quais os fitoterápicos são a opção
terapêutica de primeira escolha e, para as quais, como alternativa, não
existiriam medicamentos sintéticos. Por exemplo: hepatites tóxicas, hiperplasia
benigna de próstata, entre outros.
Categoria 2 Indicações
para as quais os medicamentos sintéticos podem ser substituídos por
fitoterápicos. Por exemplo: estados leves de ansiedade e/ou depressão reativa,
dispepsia não ulcerosa neoplásica, infecções urinárias inespecíficas, entre
outros.
Categoria 3 Indicações nas quais os fitoterápicos podem ser usados como
coadjuvantes para uma terapia básica. Por exemplo: doenças hepáticas e das vias
respiratórias, entre outras.
Categoria 4 Indicações nas quais o uso dos fitoterápicos não é adequado,
caracterizando, até mesmo, erro médico, pela possibilidade de retardar ou
impedir uma terapia racional com medicamentos sintéticos, mais adequados. Por
exemplo: tratamento primário do câncer.
Como é possível perceber, e ao contrário do que o senso comum pode
afirmar, prescrever fitoterapia não é simples. Na realidade, esse campo do
conhecimento ainda é
marginalizado e negligenciado; além de constantes atualizações acerca do
tema nas bases de dados científicos, o ideal é nos adaptarmos ao arsenal de
plantas medicinais e fitoterápicos de domínio técnico em nossa rotina de
trabalho, o que nos confere maior segurança ao propor (ou aceitar) escolhas
terapêuticas que incluam fitoterápicos. Outro ponto a ser valorizado é na saúde
da família, na qual a fitoterapia pode assumir caráter preventivo, como
intervenção em predisposições familiares e constitucionais, junto às condições
patológicas ainda em sua fase incipiente (FINTELMANN; WEISS, 2010).
Nesse momento, pode surgir a dúvida: como devemos proceder à escolha da
terapia a ser empregada? Para essa decisão, precisamos avaliar a necessidade do
emprego de uma monoterapia ou da associação de diferentes plantas, optar pela
melhor forma farmacêutica, posologia e seguimento clínico, já que cada
medicamento fitoterápico – em cada caso singular – demandará observações
igualmente singulares (BRASIL, 2012).
Inicialmente, recomenda-se uma monoterapia, porém, caso um único extrato
não seja suficiente e se opte por associar extratos de plantas, a fim de compor
um único fitoterápico, deve-se dar preferência às chamadas “associações fixas”
ou “formulações consagradas” (FINTELMANN; WEISS, 2010). É importante observar a
necessidade de um profundo conhecimento de cada planta individualmente, tanto
nos aspectos farmacodinâmicos (efeitos sinérgicos ou antagônicos) como farmacocinéticos
(melhor ou pior absorção etc.), para projetar uma boa associação, que, por sua
vez, gera novos fenômenos farmacodinâmicos e farmacocinéticos e que igualmente
terão que ser conhecidos.
Para escolher a forma farmacêutica e/ou apresentação, considera-se a
planta em si e seu extrato, a indicação em questão e, até mesmo, a categoria de
insumo disponível em cada rede de saúde. São várias as opções possíveis,
devendo o prescritor se adequar às necessidades do caso e a sua realidade.
Infusões, decocções, banhos e compressas são obtidos a partir da planta fresca
ou droga vegetal. No caso de haver uma farmácia de manipulação no serviço ou na
rede, é possível dispor também de tinturas e extratos em geral, que, por sua
vez, poderão ser prescritos puros ou ainda compor formulações como xaropes,
cremes, géis, pomadas, cápsulas ou comprimidos. Os fitoterápicos
industrializados fornecem extratos previamente padronizados e constância de
ativos em suas apresentações (SLOMP; SACRAMENTO, 2012).
Quanto à dose ou à posologia, há grande peculiaridade na prescrição
fitoterápica, uma vez que é irrelevante simplesmente informarmos a massa
desejada para as doses de extrato (miligramas, milicentigramas etc.). É
fundamental que, ao elaborar a receita, o prescritor indique:
• o nome botânico da droga vegetal;
• o tipo de extrato (seco, fluido etc.), sua padronização e sua forma de
apresentação;
• a dose-posologia;
• o modo de usar.
Somente dessa forma será possível garantir boa comunicação entre o médico
e o farmacêutico que manipulará ou dispensará o produto, poupando, assim, o
usuário de se expor a produtos de baixa qualidade ou equivocados, como vemos
não raramente acontecer. Por vezes, faz-se necessário conversar previamente com
o profissional farmacêutico para saber que produtos estão disponíveis, e
decidir em conjunto a melhor forma farmacêutica e apresentação para cada caso.
Portanto, a quantificação da posologia é mais complexa na fitoterapia e, mais
uma vez, os fitoterápicos industrializados trazem alguma vantagem, por
anteciparem esse planejamento posológico em seu desenvolvimento, embutindo os
cálculos já sistematizados na bula, além das outras informações obrigatórias
referentes à segurança (SLOMP; SACRAMENTO, 2012).
Recomenda-se ainda que a prescrição de plantas medicinais, drogas
vegetais, medicamento fitoterápico e preparações magistrais (cápsulas, drágeas,
pastilhas, xarope, spray, extrato, tintura, alcoolatura, óleo) siga as
orientações de Formulário Fitoterápico Nacional e Seus Suplementos (BRASIL,
2011; 2018), Relação Nacional de Medicamentos (BRASIL, 2017) e Memento
Terapêutico fitoterápicos (BRASIL, 2016).
DICA:
O Memento Terapêutico agrupa as plantas medicinais e fitoterápicos por
indicação clínica mais frequentes na atenção básica, tendo sido aprovado pela
Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 84, de 17 de junho de 2016. Saiba
mais acessando o link: https://bit.ly/3hYe0J0.